Ao contrário de outros países, no Brasil, existe lei específica para regular a pensão alimentícia postulada por mulheres grávidas para proteger o feto (Lei 11.804/08). O seu intuito é louvável, sem dúvida. Contudo, 6 dos 12 artigos foram vetados e outros 3 praticamente nada acrescentam. Tornou-se uma lei genérica que demanda contínuo esforço dos julgadores em sua aplicação.
Proteger os direitos do nascituro é muito importante. Há enorme relevância social. Comentando essa projeção, destaca o Ministro Luis Felipe Salomão: “entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008)” (REsp 1415727/SC).
Por isso, é fundamental que a pensão alimentícia seja garantida durante a gestação, afinal existe uma série de despesas adicionais nesse período, as quais são necessárias para garantir o nascimento dos filhos (assistência médica, psicológica, exames, internações, parto, alimentação, medicamentos, enxoval, etc). Portanto, é razoável que ambos os pais contribuam, na proporção de seus recursos disponíveis.
Neste artigo, gostaria de destacar dois grandes desafios para a implementação dos alimentos gravídicos.
O primeiro ocorre logo no recebimento da ação, na apreciação da “liminar”. A urgência na concessão de alimentos recomenda a aferição de “indícios da paternidade”, pois, caso seja exigida uma prova robusta, a tendência será privar o nascituro da pensão que se mostra necessária. Na prática, o retrato da realidade pintado nas redes sociais mostra-se muito útil. Não raro, através de posts, o réu já manifestou a sua visão acerca da paternidade ou, pelo menos, do relacionamento afetivo com a autora. Em geral, a jurisprudência valoriza indícios de paternidade e posterga a realização de exame de DNA, para após o nascimento (TJRS, AI 70083425058, 7. C.C., Rel. Des. Sérgio Chaves).
O segundo desafio reside na conciliação entre o debate relativo à pensão e a demonstração da paternidade. Muitos advogados promovem a ação de investigação de paternidade e cumulam o pedido de alimentos gravídicos. Outros, preferem postular alimentos gravídicos, na forma da lei. Provavelmente, o processo não será encerrado antes do nascimento.
Nessas situações, me parece razoável admitir, na primeira audiência (por exemplo) a convolação da ação de alimentos gravídicos em ação de investigação de paternidade, resguardando-se o direito de defesa do réu. Essa medida tem o condão de proteger o nascituro (ou o bebê, caso tenha nascido) e ampliar a utilidade da jurisdição.
Contudo, divergem os Tribunais da Federação acerca da possibilidade de se emprestar tamanho alcance ao acesso à justiça, à luz das regras processuais de estabilização da demanda. Um interessante julgado do TJSC permitiu, após o nascimento da criança, emenda da inicial, “fazendo-se as devidas adaptações” (AI 2010.017981-8, 6. C.C., Rel. Des. Jaime Luiz Vicari). É essencial conciliar a proteção do bebê com o direito de ampla defesa do réu, daí a conveniência de reabrir o prazo de contestação e se aproveitar o processo em curso.
No Superior Tribunal de Justiça, a principal decisão envolvendo alimentos gravídicos ocorreu no julgamento do Recurso Especial n. 1629423/SP. Dentre as conclusões alcançadas, destaco as seguintes:
– “Os alimentos gravídicos, previstos na Lei n. 11.804/2008, visam a auxiliar a mulher gestante nas despesas decorrentes da gravidez, da concepção ao parto, sendo, pois, a gestante a beneficiária direta dos alimentos gravídicos, ficando, por via de consequência, resguardados os direitos do próprio nascituro”.
– “com o nascimento com vida da criança, os alimentos gravídicos concedidos à gestante serão convertidos automaticamente em pensão alimentícia em favor do recém-nascido, com mudança, assim, da titularidade dos alimentos, sem que, para tanto, seja necessário pronunciamento judicial ou pedido expresso da parte, nos termos do parágrafo único do art. 6º da Lei n. 11.804/2008”.
– “em regra, a ação de alimentos gravídicos não se extingue ou perde seu objeto com o nascimento da criança, pois os referidos alimentos ficam convertidos em pensão alimentícia até eventual ação revisional em que se solicite a exoneração, redução ou majoração do valor dos alimentos ou até mesmo eventual resultado em ação de investigação ou negatória de paternidade”.
Diante de um tema tão relevante e de um regramento legal tão singelo, certamente nos próximos anos o Superior Tribunal de Justiça enunciará outros critérios de interpretação para a resolução dos casos, que se acumulam em todos os Estados do Brasil.
Professor Adjunto de Direito Civil da PUCRS. Doutor em Direito Civil pela UFRGS. Associado ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Autor de inúmeras obras jurídicas, dentre as quais: Contratos em Espécie (Atlas) e Responsabilidade Civil por Ato Lícito (Atlas).
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